Por: Pablo Henrique Penha Silva
Apresentação:
A professora Márcia Aparecida Fernandes possui licenciatura em Matemática, mestrado e doutorado em Engenharia de Sistemas e Computação. Está na área da Computação a mais de 20 anos. Está trabalhando em pesquisas relacionadas à Inteligência Artificial e é professora da Universidade Federal de Uberlândia, onde leciona aulas para o curso de Bacharelado em Ciência da Computação e para o curso de Pós-Graduação em Ciência da Computação.
printf: Em geral, há poucas meninas nos cursos superiores de Computação / Informática. Por que você acha que tal situação ocorre? Você sugere alguma ação para motivar as meninas a se interessarem por esses cursos?
Márcia: Eu penso que, ainda, culturalmente, as mulheres recebem formação não direcionada a explorar habilidades que envolvam conhecimento tecnológico de qualquer ordem. Atualmente quase toda tecnologia envolve a área de Computação e Informática. Os cursos desta área não contam com a presença de um grande número de mulheres, devido a associação imediata: tecnologia e computadores. Acredito que, devido a esta questão cultural, as mulheres não se dedicam a estudos de tecnologia e até pensam que os homens seriam mais hábeis, curiosos e propensos a trabalharem com tecnologia. Pode-se observar que mesmo os cursos mais antigos e estabelecidos (como os da área de Engenharia), o número de mulheres é pequeno. Aqueles que têm mais mulheres, em geral, não envolvem tanta tecnologia, aparentemente.
printf: Houve época em que os cursos superiores de Computação / Informática estavam entre os mais concorridos das universidades. De modo geral, tem ocorrido uma baixa procura por esses cursos pelos alunos do ensino médio. Em sua opinião, o que explica esse desinteresse?
Márcia: Não acredito que tenha havido desinteresse por estes cursos, penso até que é o contrário. Para mim, esta baixa se deve mais ao fato de uma expansão bem acima do que se podia esperar de cursos nessas áreas. Uberlândia é um exemplo claro deste fato. Na época em que fui coordenadora do Bacharelado em Ciência da Computação (1996-2000), a relação candidato/vaga era tal que o curso estava na terceira colocação entre todos os cursos de graduação da UFU. Mas, naquela época, só havia mais uma instituição de ensino superior que oferecia este curso. Hoje há, pelo menos, cinco novas instituições que oferecem este curso. Sendo assim, os candidatos estão distribuídos em, possivelmente, mais que o dobro de instituições. Então, talvez pudéssemos até mesmo afirmar que o interesse só tem aumentado. Por outro lado, há também diferença na preferência dos candidatos por cursos diurnos e noturnos. Devido aos mais diferentes aspectos envolvendo os tempos atuais, os candidatos preferem os cursos noturnos que, em geral, não são Bacharelados em Ciência da Computação. Um outro aspecto que considero importante é a popularização da Informática através das várias iniciativas de inclusão digital. Isto só aumenta o interesse, mas que não é necessariamente para a Ciência e sim para a facilidade de manuseio das inovações tecnológicas tão crescentes.
printf: Quais ações deveriam ser tomadas para que o interesse do jovem pelos cursos superiores de Computação / Informática fosse revitalizado? Você acha que os currículos deveriam sofrer alguma modificação para serem mais atrativos? Em caso afirmativo, que modificações você propõe?
Márcia: O fato de todo mundo ter contato com a Informática de várias maneiras diferentes no cotidiano, faz com que se tenha dois pensamentos contraditórios: Por um lado, pode parecer que a área não tem tantas dificuldades já que todos tem acesso e manuseiam, de alguma maneira, a tecnologia computacional. Por outro lado, alguns acham tão complexa devido as dificuldades e resistências no manuseio de qualquer coisa que envolva computador. Há também aqueles que desconheçam quase toda tecnologia computacional e de equipamentos. Portanto, talvez deixar claro a riqueza de situações em que as pessoas manuseiam um computador mesmo sem ter consciência disto é importante. Pois desta maneira diminuiríamos a resistência. Por outro lado, é preciso ficar claro também que todas estas maravilhas não são feitas sem Ciência, que exige conhecimentos não tão práticos como pode-se acreditar. Neste último ponto, talvez atrairíamos mais mulheres para estes cursos, já que seria mostrado uma possibilidade de atuar na área sem ter que ser aquele cara que fica horas procurando novas táticas práticas para desenvolver este ou aquele jogo, equipamento e ou qualquer outra atividade que possa envolver hardware diretamente.
printf: Estudos mostram que existe discriminação contra a mulher em (quase) todos os setores da sociedade. Especificamente, no setor produtivo, em geral, os homens têm salários maiores do que as mulheres, mesmo quando realizam as mesmas funções. Sendo a Computação uma área predominantemente masculina, você já enfrentou algum tipo de discriminação, como estudante ou profissional?
Márcia: Sempre há as típicas brincadeiras sobre a capacidade/habilidade da mulher para a área de Exatas e Tecnológica. Meu orientador de doutorado brincava dizendo que eu havia escolhido a subárea de Inteligência Artificial devido a falta da natural. Devido ao crescimento do número de mulheres nas mais diferentes atividades profissionais, não seria mais possível haver discriminação evidente, mas ainda existe de forma mais implícita. Um exemplo é quando se tem uma situação difícil que envolve uma certa política ou algum enfrentamento. Nestes casos, nunca se deixa a solução exclusivamente nas mãos de uma mulher. Mas, como disse anteriormente, é mais uma questão cultural. Assim, respondendo a sua pergunta, ainda existe a discriminação e quase toda mulher já se defrontou com isto. Porém ocorre de forma muito implícita, pois não se pode desprezar os papéis que as mulheres ocupam devido ao esforço que dedicam e também a capacidade intelectual.
printf: Não se trata de uma batalha entre os sexos, mas você acredita que há atividades na Computação que são melhor realizadas pela mulher do que por um homem? Isto é, que áreas da Computação a mulher se destaca mais do que o homem? Por exemplo, algumas empresas de desenvolvimento de software preferem contratar mulheres para serem responsáveis pelas equipes de teste e qualidade de software.
Márcia: Não acredito que exista esta diferença. Tanto homens quanto mulheres podem desempenhar qualquer atividade envolvendo a área. Penso que, ao longo dos anos, as mulheres sempre se posicionaram em áreas mais teóricas que envolvem menos tecnologia. Mas, isto é uma consequência desta situação cultural imposta por décadas na nossa sociedade. Se esta formação cultural for alterada, também se alterará esta diferenciação de atuação. Com relação às empresas, eu acredito que as mulheres têm facilidade para tratar com situações que envolvam muitos detalhes, já que, em geral, são criteriosas, atenciosas e cuidadosas. Assim, atividades minuciosas seriam bem executadas por mulheres. Mas, claramente, existe todo um perfil psicológico e emocional que diferenciam os dois sexos e que tem consequências em todos os aspectos da vida. Sobre isto e muitas outras não sei nada. Mas, quero crer que isso influencie a atuação, não apenas profissional, de umas e outros.